A casa dos sonhos
Apesar
de me mudar para a casa dos sonhos, ainda não estava confortável nela. O
primeiro dia eu aproveitei, abri as janelas, fiz uma limpeza geral, fui
conhecer cada canto. Em uma semana já estava acostumado com a mudança. Era uma
casa pequena, mas, como eu iria morar sozinho, não chegava a ser apertada. Na
verdade tinha espaço até de sobra.
Passados
seis dias desde que havia me mudado, as coisas começaram a ficar complicadas. Descobri
que a vizinhança não era silenciosa, ao contrário, pela madrugada alguém
começou a fazer algum tipo de reforma. Batiam nas paredes, serravam, faziam
esse tipo de coisa que deveria ser feita à tarde. E assim foi por mais três
dias antes de eu resolver avisar a polícia. Eu não queria criar inimizades com
os vizinhos, mas eles precisavam ser avisados para continuar aquilo a tarde,
não em um horário que todos estão tentando dormir.
Parece
que funcionou, mais dias de silêncio e paz. Pude descansar, continuar meu
trabalho de colunista numa revista. A casa tem sido importante pra mim nesse
momento. Eu tenho espaço e paz para escrever, tenho tempo para sair e
confraternizar com os amigos e colegas de trabalho.
***
Estava
cansado, passei a madrugada escrevendo. Acabei de terminar o texto e precisava
dormir pra entregá-lo no outro dia. Desliguei o computador, apaguei as luzes e
fui para o quarto, feliz por ser mais um dia de silêncio. Mas, ao deitar e
passar uns minutos na cama, eu comecei a notar: era um silêncio muito estranho,
profundo. Minha existência estava anulada, só havia eu e o vazio. Eu sentia uma
grande tentação para abrir os olhos, mas o que restou da minha consciência não
permitia, eu sentia que algo muito ruim aconteceria naquele momento. O silêncio
me envolvia e eu sentia a ausência de tudo, somente escuridão à minha volta. Eu
estava caindo no vazio, minha consciência flutuando num vácuo psicológico.
BAM
Choquei-me
contra a cama no momento que ouvi o som. Uma batida em algo de madeira me fez
voltar à consciência subitamente. Esse som não era mais do vizinho, vinha de
algum lugar perto, dentro da casa. E o som se repetiu e repetiu e repetiu; a
cada batida meu pulso acelerava e eu tentava me controlar. Podia ser algo aqui
ao meu lado, eu tinha que continuar parecendo dormir ou não ouvir isso, talvez
custasse minha vida.
Não
consigo agora me lembrar em que momento eu consegui pegar no sono. Eu levantei
de manhã com uma sensação de não ter dormido nada. Olhei a minha volta, tudo
parecia normal. Corri para o computador e mandei o texto para a revista. O que
teria realmente acontecido essa madrugada? Isso me incomodou por alguns momentos
antes de voltar à minha rotina de trabalho, bar com os amigos, casa novamente.
Eu não
sabia naquele momento o que faria. Eu já estava na cama e tinha certeza que havia
desligado o computador quando terminei o texto dessa noite, mas lá estava ele
ligado e apitando. As batidas também voltaram, só que agora ainda mais forte.
Decidi que iria ignorar aquele evento mais uma vez - podia ser um sonho ou algo
parecido. A cada apito, cada batida, eu sentia meu coração acelerando e ficando
mais difícil de respirar. É como se tivesse algo segurando o meu diafragma,
impedindo-o de se mover normalmente. A cada som estridente minha vontade de
abrir os olhos era mais forte, e eu forçava os músculos da face a não fazê-lo. Eu
tinha medo do que estaria ali na minha frente esperando eu olhar.
De manhã
eu acordei de pé - não me pergunte como. Eu estava com uma xícara de café na
mão e uma faca na outra, uma faca de cortar carne. Eu larguei tudo, quebrando
tanto a xícara quanto minha faca de cerâmica. Corri para o computador e sim,
ele ainda estava ligado. Em sua tela, um glitch
que aconteceu no meio do boot, a tela
ainda preta com símbolos e formas em cor cinza claro. Era estranho, mas não era
nenhum código que eu pudesse reconhecer. Então, depois de desligar e ligar o pc
algumas vezes, vi que aquilo não iria mudar. Teria que passar no técnico, entre
o trabalho e o bar.
***
BAM
Acordei
com mais uma batida, tudo estava aceso. Dava para sentir, mesmo de olhos
fechados, a luz em todo canto. As batidas continuaram, desreguladas, sem ritmo,
sem nivelamento, sem lugar exato. Escutei o notebook que peguei emprestado
ligando, mas agora fazendo sons muito estranhos, como se tivesse um CD dentro. Ele
girava e estalava com uma parada repentina, reiniciava. Um som nostálgico,
daqueles chiados de internet discada, começou a tocar, mas com os tons variando
muito pra agudos e graves. O notebook não tinha modem nem estava ligado à rede
telefônica de forma nenhuma. Eu estava a ponto de levantar e aceitar meu
destino. Eu não aguentava mais aquilo. Então, tudo parou. Simplesmente
silenciou, a não ser por esse arranhar baixo que começou momentos depois ao
lado da cabeceira da minha cama.
Manhã...
Imaginei que eu devia estar com olheiras imensas, não tinha vontade de me olhar
ao espelho. Eu já sabia o que tinha acontecido com o notebook antes mesmo de
liga-lo, e ao abrir a tela tudo se confirmou. Não posso explicar como tudo aconteceu
para o meu amigo, vou dizer que deve ser um problema no sistema elétrico da
minha casa. Provavelmente pedir desculpas e me comprometer a pagar o concerto.
Fui trabalhar e entreguei a ele o notebook, explicando que ele tinha pifado do
nada à noite.
Para minha surpresa o notebook ligou
normalmente quando meu amigo foi testar. Todos notavam minha indisposição,
perguntavam se eu estava doente ou passando mal. Então, após o horário de
almoço, pedi para sair mais cedo. Corri para o técnico, que me disse que meu PC
estava funcionando normalmente. Voltei pra casa, não estava no clima para sair
com ninguém mais.
Agora
eu estou na minha cama, mas não me lembro exatamente em que momento eu vim para
cá. As batidas de novo, mais perto ainda, estão quase no meu ouvido. Não
consigo mais pensar direito no que fazer. A cada momento minha mente entra num
modo automático. Nesse momento, entre chiados do meu computador, que estava
desligado da tomada, escuto claramente uma voz chamando meu nome. Não sei como,
eu não estava controlando, mas meus olhos se abriram e eu vi. Então era
verdade, ele estava me observando o tempo todo. Eu não posso fazer mais nada,
senão aceitar o meu desti--.
Conto de minha autoria, espero que gostem.
Escrito por: Lucas Silva Melo
Revisão: Marina Pereira Naves
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